Tudo é
possível ao que crê.
Evangelho Segundo Marcos, 9:23
E todos concordavam em dizer que ali
estava um homem que sabia celebrar o Natal
e manter seu espírito vivo o ano todo
– se é que algum homem consegue isso.
Que o mesmo possa ser dito de cada um de nós.
E, como dizia o pequeno Tim, que Deus nos abençoe!
CHARLES DICKENS
(1812 – 1870. Landport, Portsmouth / Reino Unido)
Um Conto de Natal / A Christmas Carol (1843)
Ilustrações: IA
Evangelho Segundo Marcos, 9:23
E todos concordavam em dizer que ali
estava um homem que sabia celebrar o Natal
e manter seu espírito vivo o ano todo
– se é que algum homem consegue isso.
Que o mesmo possa ser dito de cada um de nós.
E, como dizia o pequeno Tim, que Deus nos abençoe!
CHARLES DICKENS
(1812 – 1870. Landport, Portsmouth / Reino Unido)
Um Conto de Natal / A Christmas Carol (1843)
Ilustrações: IA
JING
BELLS
Ella Fitzgerald
Ella Fitzgerald
A
essência do espírito natalino é recordar o nascimento de Jesus de Nazaré, há
2025 anos. Amor, compaixão, doação, humildade, simplicidade, solidariedade,
fraternidade, perdão, sacrifício, mansidão, coragem para seguir ou para
recomeçar são alguns dos atributos que merecem a nossa reflexão. A simbologia desta época – que, neste ano,
chega em meio a tirania, perseguições, injustiças, tensões, violência,
intolerâncias, inflação, esperanças contidas –, leva-me a recomendar a leitura
reflexiva de antologias literárias que têm o Natal como tema e o condão de
reforçar a nossa ética civilizatória de bem conviver. A época natalina deu
origem a centenas de contos natalinos. Me emocionei muito relendo alguns
deles! Há uma variedade de interpretações: desde relatos natalinos
tradicionais até versões fantásticas e bem-humoradas, sérias ou emotivas. Celebrando essa data mágica e familiar, selecionei dois contos (completos); cinco canções (em
vídeos), interpretadas por vozes célebres; e a indicação de doze livros ou
contos. Todos com espírito natalino. Boas festas.
CONTO de
NATAL
(Conte de Noël, 1882)
Guy de Maupassant
(1850 – 1893. Château de Miromesnil,
Tourville-sur-Arques / França)
(Conte de Noël, 1882)
Guy de Maupassant
(1850 – 1893. Château de Miromesnil,
Tourville-sur-Arques / França)
O Dr. Bonenfant parafusava na memória repetindo à meia voz: “Uma recordação de Natal?...”. “Uma recordação de Natal?...”. E, de súbito, exclamou: — Sim, tenho uma, e, ainda por cima muito estranha. Uma história verdadeiramente fantástica. Eu presenciei um milagre! Sim, minhas senhoras, um milagre, na noite de Natal.
“Decerto se admirarão de me ouvirem falar assim, eu que não creio em nada e, no entanto, eu vi um milagre! Eu o vi com estes meus próprios olhos! Se fiquei muito surpreendido? Não... Se eu não acredito nas suas crenças, acredito na fé e sei que ela transporta montanhas. Poderia citar muitos exemplos, mas isso lhes causaria indignação e eu me arriscaria a atenuar o efeito da minha história.
Confessarei, primeiro, que, se não fiquei convencido e convertido pelo que vi, senti-me pelo menos bastante impressionado, e vou tratar de contar a coisa singelamente, como se tivesse credulidade de campônio.
Eu era então médico rural e morava no burgo de Rolleville, em plena Normandia.
O inverno, naquele ano, foi terrível. Logo em fins de novembro, chegaram as neves, após a geada. Avistaram-se ao longe as grandes nuvens que vinham do Norte, e começou a branca descida dos flocos.
Em uma noite, toda a planície ficou soterrada. As granjas isoladas nos seus pátios quadrados, por trás das suas cortinas de grandes árvores brancas de geada, pareciam adormecer sob a acumulação daquela espuma densa. Nenhum rumor atravessava mais a campina imóvel. Só os corvos, em bandos, descreviam festões no céu, na busca inútil de alimento, abatendo-se juntos sobre os campos lívidos e picando a neve com seus bicos.
Nas mais
se ouvia que o deslizar contínuo daquela poeira gelada, eternamente a cair.
E, durante três semanas, um céu, claro como um cristal azul de dia e, à noite, semeado de estrelas que pareciam de gelo, se entendeu sobre o lençol úmido de neve.
A planície, as cercas, os olmos, tudo parecia morto, trucidado pelo frio. Nem homens nem animais se aventuravam a sair: apenas as chaminés vestidas de branco revelavam a vida oculta, pelos tênues filetes de fumo que subiam direto no ar glacial.
Ouvia-se o estalar das árvores, como se seus membros de madeira se houvessem quebrado sob a casca; e, às vezes, um galho se destacava e caía, pois a invencível geada petrificava a seiva e quebrava as fibras.
As casas, semeadas aqui e acolá pelos campos, pareciam afastadas cem léguas uma das outras. Vivia-se como se podia. Apenas eu tentava ir visitar os meus clientes mais próximos, expondo-me continuamente a ficar amortalhado nalgum buraco.
Apercebi-me, em seguida, de que um terror misterioso pairava sobre a região. Um flagelo assim, pensavam, não podia ser natural. Julgavam ouvir vozes à noite, silvos agudos, gritos que passavam.
Esses gritos provinham, sem dúvida, dos pássaros migradores que viajavam ao crepúsculo e que fugiam em massa para o Sul. Mas, como esclarecer gente assustada?
O pânico invadia os espíritos e todos esperavam um acontecimento extraordinário.
A forja do velho Vatinel ficava situada nas cercanias do povoado de Épivent, à beira da estrada real, agora invisível e deserta. Ora, como lhe faltasse pão, o ferreiro resolveu ir até a aldeia. Ficou apenas umas horas a conversar pelas seis casas que constituem o núcleo da região, muniu-se de pão, novidades e de um pouco daquele medo espalhado por toda parte.
E pôs-se a caminho antes que escurecesse.
De repente, quando costeava uma cerca, julgou avistar um ovo sobre a neve. Sim, um ovo colocado ali, branquinho como o resto do mundo. Inclinou-se: era de fato um ovo. De onde provinha? Que galinha teria saído do terreiro para pôr naquele lugar? O ferreiro espantou-se, não compreendeu coisa alguma; mas agarrou o ovo levou-o para a sua mulher: — Toma, minha velha. Aqui está um ovo que encontrei na estrada.
A mulher sacudiu a cabeça: — Um ovo na estrada? Com esse tempo? Andaste bebendo?
E, durante três semanas, um céu, claro como um cristal azul de dia e, à noite, semeado de estrelas que pareciam de gelo, se entendeu sobre o lençol úmido de neve.
A planície, as cercas, os olmos, tudo parecia morto, trucidado pelo frio. Nem homens nem animais se aventuravam a sair: apenas as chaminés vestidas de branco revelavam a vida oculta, pelos tênues filetes de fumo que subiam direto no ar glacial.
Ouvia-se o estalar das árvores, como se seus membros de madeira se houvessem quebrado sob a casca; e, às vezes, um galho se destacava e caía, pois a invencível geada petrificava a seiva e quebrava as fibras.
As casas, semeadas aqui e acolá pelos campos, pareciam afastadas cem léguas uma das outras. Vivia-se como se podia. Apenas eu tentava ir visitar os meus clientes mais próximos, expondo-me continuamente a ficar amortalhado nalgum buraco.
Apercebi-me, em seguida, de que um terror misterioso pairava sobre a região. Um flagelo assim, pensavam, não podia ser natural. Julgavam ouvir vozes à noite, silvos agudos, gritos que passavam.
Esses gritos provinham, sem dúvida, dos pássaros migradores que viajavam ao crepúsculo e que fugiam em massa para o Sul. Mas, como esclarecer gente assustada?
O pânico invadia os espíritos e todos esperavam um acontecimento extraordinário.
A forja do velho Vatinel ficava situada nas cercanias do povoado de Épivent, à beira da estrada real, agora invisível e deserta. Ora, como lhe faltasse pão, o ferreiro resolveu ir até a aldeia. Ficou apenas umas horas a conversar pelas seis casas que constituem o núcleo da região, muniu-se de pão, novidades e de um pouco daquele medo espalhado por toda parte.
E pôs-se a caminho antes que escurecesse.
De repente, quando costeava uma cerca, julgou avistar um ovo sobre a neve. Sim, um ovo colocado ali, branquinho como o resto do mundo. Inclinou-se: era de fato um ovo. De onde provinha? Que galinha teria saído do terreiro para pôr naquele lugar? O ferreiro espantou-se, não compreendeu coisa alguma; mas agarrou o ovo levou-o para a sua mulher: — Toma, minha velha. Aqui está um ovo que encontrei na estrada.
A mulher sacudiu a cabeça: — Um ovo na estrada? Com esse tempo? Andaste bebendo?
— Não,
velha, e, por sinal, que estava perto de uma cerca e ainda quentinho! Olha,
guardei-o debaixo da camisa para que não esfriasse. Tu o comerás na janta.
O ovo foi metido na marmita onde fumegava a sopa e o ferreiro pôs-se a contar o que diziam pelas redondezas. A mulher escutava.
— Ouvi assovios na noite passada; até pareciam vir da chaminé.
Puseram-se à mesa, tomaram primeiro a sopa e, depois, enquanto o marido passava manteiga no pão, a mulher pegou o ovo e examinou-o com um olhar desconfiado.
— E se houver qualquer coisa neste ovo?
— Que queres tu que haja?
— Sei lá!
— Vamos, come, e deixa de asneiras.
Ela abriu o ovo. Era como todos os ovos, e bem fresco.
Pôs-se a comê-lo, hesitando, provando-o, soltando-o, pegando-o de novo. O marido dizia: — E então? Que gosto tem esse ovo?
Ela não respondeu e terminou de engoli-lo. Depois plantou no seu homem uns olhos fixos, esgazeados, alucinados; ergueu os braços, retorceu-os e, convulsionada da cabeça aos pés, rolou por terra, soltando gritos horríveis. Toda a noite debateu-se em espasmos tremendos, sacudida de infindáveis tremores, deformada por incríveis convulsões. O ferreiro, impotente para a segurar, foi obrigado a amarrá-la. E ela gritava continuamente, com uma voz infatigável:
— Tenho o diabo no corpo! Tenho o diabo no corpo!
O ovo foi metido na marmita onde fumegava a sopa e o ferreiro pôs-se a contar o que diziam pelas redondezas. A mulher escutava.
— Ouvi assovios na noite passada; até pareciam vir da chaminé.
Puseram-se à mesa, tomaram primeiro a sopa e, depois, enquanto o marido passava manteiga no pão, a mulher pegou o ovo e examinou-o com um olhar desconfiado.
— E se houver qualquer coisa neste ovo?
— Que queres tu que haja?
— Sei lá!
— Vamos, come, e deixa de asneiras.
Ela abriu o ovo. Era como todos os ovos, e bem fresco.
Pôs-se a comê-lo, hesitando, provando-o, soltando-o, pegando-o de novo. O marido dizia: — E então? Que gosto tem esse ovo?
Ela não respondeu e terminou de engoli-lo. Depois plantou no seu homem uns olhos fixos, esgazeados, alucinados; ergueu os braços, retorceu-os e, convulsionada da cabeça aos pés, rolou por terra, soltando gritos horríveis. Toda a noite debateu-se em espasmos tremendos, sacudida de infindáveis tremores, deformada por incríveis convulsões. O ferreiro, impotente para a segurar, foi obrigado a amarrá-la. E ela gritava continuamente, com uma voz infatigável:
— Tenho o diabo no corpo! Tenho o diabo no corpo!
Fui
chamado no dia seguinte. Prescrevi todos os calmantes conhecidos sem obter
resultado. Ela estava louca.
Então, com incrível rapidez, apesar dos obstáculos das neves altas, a novidade — uma novidade estranha — correu de granja em granja: “A mulher do ferreiro está possessa!”. E chegava gente de toda parte, sem ousar penetrar na casa. Escutavam de longe os seus gritos terríveis, lançados com uma voz tão forte que não pareciam de criatura humana. O cura da aldeia foi avisado. Era um velho e ingênuo sacerdote. Veio de sobrepeliz, como para administrar a extrema unção, e pronunciou, estendendo as mãos, as fórmulas do exorcismo, enquanto quatro homens seguravam sobre o leito a mulher espumante e contorcida.
Mas o espírito não foi escorraçado. E chegou o Natal, sem que houvesse mudado o tempo.
Então, com incrível rapidez, apesar dos obstáculos das neves altas, a novidade — uma novidade estranha — correu de granja em granja: “A mulher do ferreiro está possessa!”. E chegava gente de toda parte, sem ousar penetrar na casa. Escutavam de longe os seus gritos terríveis, lançados com uma voz tão forte que não pareciam de criatura humana. O cura da aldeia foi avisado. Era um velho e ingênuo sacerdote. Veio de sobrepeliz, como para administrar a extrema unção, e pronunciou, estendendo as mãos, as fórmulas do exorcismo, enquanto quatro homens seguravam sobre o leito a mulher espumante e contorcida.
Mas o espírito não foi escorraçado. E chegou o Natal, sem que houvesse mudado o tempo.
Na
véspera, pela manhã, o padre foi procurar-me:
— Eu tenho vontade — disse ele — de fazer essa infeliz assistir à Missa do Galo esta noite. Talvez Deus faça milagre em seu favor, na própria hora em que Deus nasceu de uma mulher.
Eu respondi ao cura: — De inteiro acordo, senhor padre. Se o seu espírito for tocado pela cerimônia sagrada (e nada mais propício a impressioná-la), ela pode salvar-se.
— O senhor não é crente, doutor, mas ajude-me; poderá encarregar-se de conduzi-la?
Eu lhe prometi o meu auxílio. Chegou a tarde; depois, a noite. E o sino da igreja pôs-se a tocar, lançando a sua voz queixosa através do espaço quieto, por sobre a branca extensão gelada.
— Eu tenho vontade — disse ele — de fazer essa infeliz assistir à Missa do Galo esta noite. Talvez Deus faça milagre em seu favor, na própria hora em que Deus nasceu de uma mulher.
Eu respondi ao cura: — De inteiro acordo, senhor padre. Se o seu espírito for tocado pela cerimônia sagrada (e nada mais propício a impressioná-la), ela pode salvar-se.
— O senhor não é crente, doutor, mas ajude-me; poderá encarregar-se de conduzi-la?
Eu lhe prometi o meu auxílio. Chegou a tarde; depois, a noite. E o sino da igreja pôs-se a tocar, lançando a sua voz queixosa através do espaço quieto, por sobre a branca extensão gelada.
Vultos
negros chegavam lentamente aos grupos. A lua
cheia iluminava de um clarão vivo todo o horizonte, tornando mais visível a
pálida desolação dos campos. Eu tomara
comigo quatro homens robustos e dirigi-me à forja. A
possessa continuava a gritar, amarrada ao leito. Vestiram-na decentemente,
apesar da sua desesperada resistência, e carregaram-na. A igreja
estava, agora, repleta, iluminada e fria; os chantres lançavam as suas notas
monótonas; a sineta do menino do coro tilintava, regulando o movimento dos
fiéis.
Encerrei a mulher e seus guardas na cozinha do presbitério, e esperei o momento que julgava propício.
Escolhi o instante que se segue à Comunhão. Todos os camponeses, homens e mulheres, tinham recebido o seu Deus para abrandar o rigor. Pairava um grande silêncio enquanto o padre terminava o mistério.
Por ordem minha a porta foi aberta e meus quatro auxiliares trouxeram a louca.
Logo que avistou as luzes, a multidão de joelhos, o coro iluminado e o tabernáculo de ouro, ela se debateu com tal vigor que quase nos escapou e lançou clamores tão agudos que um arrepio de pânico percorreu a igreja; todas as cabeças se ergueram, alguns fugiram.
Crispada e contorcida, em nossas mãos, o rosto virado, os olhos fora da órbita, ela não tinha mais o aspecto de uma mulher. O padre havia se erguido; ele esperava. Logo que a viu contida, tomou nas mãos o ostensório cingido de raios de ouro, com hóstia branca no meio e, avançando alguns passos, ergueu-o com ambos os braços estendidos acima da cabeça, apresentando-os aos olhares desvairados da demoníaca.
Ela continuava a gritar, com o olhar fixo naquele objeto fulgurante. E o padre permanecia de tal maneira imóvel que o teriam tomado por uma estátua. E aquilo durou muito tempo, muito tempo.
Encerrei a mulher e seus guardas na cozinha do presbitério, e esperei o momento que julgava propício.
Escolhi o instante que se segue à Comunhão. Todos os camponeses, homens e mulheres, tinham recebido o seu Deus para abrandar o rigor. Pairava um grande silêncio enquanto o padre terminava o mistério.
Por ordem minha a porta foi aberta e meus quatro auxiliares trouxeram a louca.
Logo que avistou as luzes, a multidão de joelhos, o coro iluminado e o tabernáculo de ouro, ela se debateu com tal vigor que quase nos escapou e lançou clamores tão agudos que um arrepio de pânico percorreu a igreja; todas as cabeças se ergueram, alguns fugiram.
Crispada e contorcida, em nossas mãos, o rosto virado, os olhos fora da órbita, ela não tinha mais o aspecto de uma mulher. O padre havia se erguido; ele esperava. Logo que a viu contida, tomou nas mãos o ostensório cingido de raios de ouro, com hóstia branca no meio e, avançando alguns passos, ergueu-o com ambos os braços estendidos acima da cabeça, apresentando-os aos olhares desvairados da demoníaca.
Ela continuava a gritar, com o olhar fixo naquele objeto fulgurante. E o padre permanecia de tal maneira imóvel que o teriam tomado por uma estátua. E aquilo durou muito tempo, muito tempo.
A mulher parecia transida de medo, fascinada; contemplava fixamente o ostensório, sacudida ainda de estremecimentos terríveis, mas passageiros, e sempre a gritar, mas com uma voz menos lancinante.
E passou ainda muito tempo. Dir-se-ia que a multidão não podia mais baixar os olhos, que os tinha pregado na hóstia. Ela não fazia mais que gemer; e o seu corpo amolecia, entregava-se.
Toda a multidão estava prosternada, de fronte por terra.
Agora, a possessa baixava, rapidamente, as pálpebras; mas erguia-a, em seguida, como que impotente para suportar a visão do seu Deus. Ela calara-se. E, depois, de súbito, percebi que seus olhos permaneciam fechados. Ela dormia o sono dos sonâmbulos, hipnotizada, perdão, vencida pela contemplação persistente do ostensório de raios de ouro, aniquilada pelo Cristo Vitorioso.
Carregaram-na, inerte, enquanto o padre subia para o altar. A assistência, abalada, entoou um Te Deum de ação de graças. E a mulher do ferreiro dormiu quarenta horas seguidas e, depois, despertou sem nenhuma lembrança do endemoninhamento, nem do exorcismo. Eis aí, minhas senhoras, o milagre que eu vi.”
O Doutor Bonenfant calou-se; depois, acrescentou, com uma voz contrariada:
— E eu não pude recusar-me a atestá-lo por escrito.
O
PINHEIRO de NATAL
(Grantræet, 1844)
Hans Christian Andersen
(1805 – 1875. Odense / Dinamarca)
(Grantræet, 1844)
Hans Christian Andersen
(1805 – 1875. Odense / Dinamarca)
Era uma vez, em um belo local de uma grande floresta, um pequeno e jovem pinheiro. O sol estava brilhando sobre ele e o ar estava fresco. Ele não estava sozinho, ele estava cercado por uma grande coleção de árvores. Este pequeno e jovem pinheiro tinha apenas um desejo: queria crescer o mais rápido que pudesse! Ele mal podia esperar o momento em que seria grande, ou ainda maior, do que as árvores ao seu redor.
É por isso que a jovem árvore não aproveitou sua juventude. Quando ele fosse mais velho, ele se ramificaria e com as pontas dos galhos olharia para o vasto mundo. Os pássaros fariam ninhos neles.
“Árvores crescidas têm algo majestoso”,
pensou o pinheiro.
No final do ano, ele havia crescido bastante. Pelos brotos de uma árvore, você pode ver a idade que ela tem. Mas para o pinheiro estava demorando. Nada lhe dava prazer. Nem os pássaros, nem as nuvens, nem o sol.
No inverno, uma pequena lebre frequentemente vinha correndo para pular sobre ele. Oh, isso deixou o pinheiro tão zangado! Mas em seu terceiro ano ele ficou tão grande que a lebre teve que contorná-lo. “Crescer, ficar maior, mais velho e mais longo. Não é a melhor coisa que existe?!”, suspirou a árvore.
No outono, os lenhadores vinham à floresta para cortar as árvores maiores. Isso acontecia todos os anos. “Onde eles estão indo? O que aconteceu com elas?”, perguntou o pinheiro à lebre. “Eu não sei”, disse a lebre, “eu fico na floresta. Não tenho nada para fazer fora dela.” “Acho que sei”, disse a cegonha. “Quando eu estava voando de volta do Egito, vi navios no mar com grandes mastros feitos de pinheiros. Isso é provavelmente o que está esperando por você quando crescer. Eles alcançaram o céu e pareciam contentes e majestosos.”
“Ah, se eu tivesse idade para voar sobre o mar!”, suspirou o pinheiro. “O que realmente é o mar?”, perguntou a árvore, porque nunca tinha ouvido falar dele antes. “Vai levar uma eternidade para explicar”, disse a cegonha.
No final do ano, ele havia crescido bastante. Pelos brotos de uma árvore, você pode ver a idade que ela tem. Mas para o pinheiro estava demorando. Nada lhe dava prazer. Nem os pássaros, nem as nuvens, nem o sol.
No inverno, uma pequena lebre frequentemente vinha correndo para pular sobre ele. Oh, isso deixou o pinheiro tão zangado! Mas em seu terceiro ano ele ficou tão grande que a lebre teve que contorná-lo. “Crescer, ficar maior, mais velho e mais longo. Não é a melhor coisa que existe?!”, suspirou a árvore.
No outono, os lenhadores vinham à floresta para cortar as árvores maiores. Isso acontecia todos os anos. “Onde eles estão indo? O que aconteceu com elas?”, perguntou o pinheiro à lebre. “Eu não sei”, disse a lebre, “eu fico na floresta. Não tenho nada para fazer fora dela.” “Acho que sei”, disse a cegonha. “Quando eu estava voando de volta do Egito, vi navios no mar com grandes mastros feitos de pinheiros. Isso é provavelmente o que está esperando por você quando crescer. Eles alcançaram o céu e pareciam contentes e majestosos.”
“Ah, se eu tivesse idade para voar sobre o mar!”, suspirou o pinheiro. “O que realmente é o mar?”, perguntou a árvore, porque nunca tinha ouvido falar dele antes. “Vai levar uma eternidade para explicar”, disse a cegonha.
“Fique
feliz com o seu crescimento”, disseram os raios de sol, “e aproveite cada belo e ensolarado dia.” A brisa o tocou. Mas o pinheiro não entendeu.
Quando chegou o Natal, muitas árvores jovens foram cortadas. A árvore perguntou aos pardais: “Para onde eles estão indo? Eles não são maiores do que eu”. “Nós vimos!”, chilrearam os pardais. “As pessoas levam as árvores para suas casas e dão um bom lugar para elas. Eles as decoram com belos enfeites. Penduram luzes e dançam e cantam. É muito alegre e a árvore é a maior estrela de todas.” “E o que acontece a seguir?”, perguntou, entusiasmado com tal destino. “Não sabemos”, responderam os pardais, “mas foi glorioso.”
Nosso pinheiro não se assustou quando os lenhadores vieram cortá-lo. Ele caiu no chão. Parecia estranho e ele ficou triste por um momento por deixar a floresta. Pela primeira vez ele deixaria o lugar onde nasceu. Não, ele não gostava de sair.
O pinheiro voltou a si quando foi trazido para uma bela e grande casa. Ele foi colocado em um grande vaso com areia. Não dava para ver que era um vaso, porque um pano verde foi colocado sobre ele. Jovens empregadas decoraram a árvore. Penduraram chocolates, bolas e velas. Eles também colocaram muitas luzes. No topo havia uma grande estrela dourada. Foi bonito! Simplesmente lindo!
Naquela noite, as luzes foram acesas e a árvore começou a brilhar. “Se as árvores da floresta pudessem me ver agora, como eu pareço bonito e como eu brilho com mil luzes!” No entanto, a árvore sentiu-se ansiosa. De repente, a porta do quarto se abriu. Uma grande multidão de crianças invadiu a árvore. Um pouco rudes, eles começaram a puxar as guloseimas do pinheiro. Depois que a árvore foi depenada, os presentes foram abertos. Um homem leu um livro. Era a história de um homem desajeitado que se casou com uma princesa. O pinheiro gostou da história. As luzes foram apagadas e todos foram para a cama.
“Amanhã não terei medo e desfrutarei de minha beleza em toda a sua glória”, pensou o pinheiro. De manhã cedo os servos chegaram. “Agora vai começar de novo”, pensou a árvore. Mas eles o arrastaram para fora do quarto e o colocaram no sótão escuro. “O que está acontecendo?” a árvore pensou consigo mesma, “o que estou fazendo aqui?” Ninguém veio contar a ele. Dias e noites se passaram, mas ninguém apareceu.
“É inverno lá fora”, pensou o pinheiro. “A terra está dura e coberta de neve. Não é uma boa hora para me enterrar. É por isso que estou aqui sã e salvo até a chegada da primavera. Que atenciosos! Se ao menos não fosse tão escuro e tão solitário aqui em cima. Não há ninguém aqui. Nem mesmo uma lebre. Lá fora era tão bom e agradável. Havia neve e uma lebre saltava sobre mim. Sim, sinto falta até dela pulando por cima de mim. Eu não gostava disso na época, mas como estou sozinho agora.”
Quando chegou o Natal, muitas árvores jovens foram cortadas. A árvore perguntou aos pardais: “Para onde eles estão indo? Eles não são maiores do que eu”. “Nós vimos!”, chilrearam os pardais. “As pessoas levam as árvores para suas casas e dão um bom lugar para elas. Eles as decoram com belos enfeites. Penduram luzes e dançam e cantam. É muito alegre e a árvore é a maior estrela de todas.” “E o que acontece a seguir?”, perguntou, entusiasmado com tal destino. “Não sabemos”, responderam os pardais, “mas foi glorioso.”
Nosso pinheiro não se assustou quando os lenhadores vieram cortá-lo. Ele caiu no chão. Parecia estranho e ele ficou triste por um momento por deixar a floresta. Pela primeira vez ele deixaria o lugar onde nasceu. Não, ele não gostava de sair.
O pinheiro voltou a si quando foi trazido para uma bela e grande casa. Ele foi colocado em um grande vaso com areia. Não dava para ver que era um vaso, porque um pano verde foi colocado sobre ele. Jovens empregadas decoraram a árvore. Penduraram chocolates, bolas e velas. Eles também colocaram muitas luzes. No topo havia uma grande estrela dourada. Foi bonito! Simplesmente lindo!
Naquela noite, as luzes foram acesas e a árvore começou a brilhar. “Se as árvores da floresta pudessem me ver agora, como eu pareço bonito e como eu brilho com mil luzes!” No entanto, a árvore sentiu-se ansiosa. De repente, a porta do quarto se abriu. Uma grande multidão de crianças invadiu a árvore. Um pouco rudes, eles começaram a puxar as guloseimas do pinheiro. Depois que a árvore foi depenada, os presentes foram abertos. Um homem leu um livro. Era a história de um homem desajeitado que se casou com uma princesa. O pinheiro gostou da história. As luzes foram apagadas e todos foram para a cama.
“Amanhã não terei medo e desfrutarei de minha beleza em toda a sua glória”, pensou o pinheiro. De manhã cedo os servos chegaram. “Agora vai começar de novo”, pensou a árvore. Mas eles o arrastaram para fora do quarto e o colocaram no sótão escuro. “O que está acontecendo?” a árvore pensou consigo mesma, “o que estou fazendo aqui?” Ninguém veio contar a ele. Dias e noites se passaram, mas ninguém apareceu.
“É inverno lá fora”, pensou o pinheiro. “A terra está dura e coberta de neve. Não é uma boa hora para me enterrar. É por isso que estou aqui sã e salvo até a chegada da primavera. Que atenciosos! Se ao menos não fosse tão escuro e tão solitário aqui em cima. Não há ninguém aqui. Nem mesmo uma lebre. Lá fora era tão bom e agradável. Havia neve e uma lebre saltava sobre mim. Sim, sinto falta até dela pulando por cima de mim. Eu não gostava disso na época, mas como estou sozinho agora.”
Um ratinho rastejou pelo chão, e outro o
seguiu. Eles farejaram o pinheiro e farfalharam entre seus galhos.
“Está um frio terrível”, disse um deles. “Tirando isso, seria muito agradável aqui, não é, velho pinheiro?”
“Não sou nada velho”, disse o pinheiro. “Muitas árvores são muito mais velhas do que eu.”
“Está um frio terrível”, disse um deles. “Tirando isso, seria muito agradável aqui, não é, velho pinheiro?”
“Não sou nada velho”, disse o pinheiro. “Muitas árvores são muito mais velhas do que eu.”
“De onde
você veio?”, perguntaram os ratos. “E o que você sabe?” Eles eram criaturas
muito curiosas.
“Conte-nos sobre o lugar mais bonito do mundo. Você já esteve lá? Já esteve na despensa, onde há queijos nas prateleiras e presuntos pendurados nas vigas? É o lugar onde você pode dançar sobre velas de sebo - onde você pode entrar magro e espremer a gordura.”
“Não sei nada desse lugar”, disse. “Mas conheço a floresta onde o sol brilha e os passarinhos cantam.” Então, contou-lhes sobre sua juventude. Os ratinhos nunca tinham ouvido nada parecido. Escutaram com atenção: “Nossa! Quanta coisa você viu! E como deve ter te feito feliz.”
“Eu?”, pensou o pinheiro. “Sim, aqueles dias foram bem divertidos.” E continuou a contar-lhes sobre a véspera do Natal, quando estava todo decorado com doces, bolas e velas.
“Oh”, disseram os ratinhos, “que sorte você teve, velho pinheiro!”
“Não sou nada velho”, insistia. “Saí da floresta neste inverno e estou realmente no auge da vida, embora no momento meu crescimento esteja suspenso.”
“Como você conta as coisas tão bem!”, disseram os ratinhos. Na noite seguinte, eles vieram com outros quatro ratinhos para ouvir o que a árvore tinha a dizer. Quanto mais ela falava, mais claramente se lembrava das coisas e pensava: “Aqueles eram tempos felizes. Mas eles ainda podem voltar de novo. Humpty Dumpty caiu da escada, e mesmo assim se casou com a princesa. Talvez a mesma coisa aconteça comigo.” Ela pensou em uma encantadora bétula que crescia na floresta. Para ele, ela era uma princesa de verdade, adorável.
“Quem é Humpty-Dumpty?”, perguntaram os ratinhos. Então, o pinheiro contou-lhes toda a história, pois se lembrava dela palavra por palavra. Os ratinhos estavam prontos para pular para o topo da árvore de tanta alegria. Na noite seguinte, muitos outros ratinhos vieram visitar o pinheiro, e no domingo dois ratos também o visitaram, mas disseram que a história não era muito engraçada. Isso deixou os ratinhos tão tristes que eles também começaram a achá-la sem graça.
“Essa é a única história que você conhece?”, perguntaram os ratos.
“Só essa”, respondeu. “Eu a ouvi na noite mais feliz da minha vida, mas eu não sabia que era feliz.”
“É uma história muito boba. Você não conhece nenhuma que fale sobre bacon e velas? Você não pode nos contar uma boa história sobre uma despensa?”
“Não”, disse a árvore. “Então, adeus, e não voltaremos mais”, disseram os ratos, e foram embora.
“Conte-nos sobre o lugar mais bonito do mundo. Você já esteve lá? Já esteve na despensa, onde há queijos nas prateleiras e presuntos pendurados nas vigas? É o lugar onde você pode dançar sobre velas de sebo - onde você pode entrar magro e espremer a gordura.”
“Não sei nada desse lugar”, disse. “Mas conheço a floresta onde o sol brilha e os passarinhos cantam.” Então, contou-lhes sobre sua juventude. Os ratinhos nunca tinham ouvido nada parecido. Escutaram com atenção: “Nossa! Quanta coisa você viu! E como deve ter te feito feliz.”
“Eu?”, pensou o pinheiro. “Sim, aqueles dias foram bem divertidos.” E continuou a contar-lhes sobre a véspera do Natal, quando estava todo decorado com doces, bolas e velas.
“Oh”, disseram os ratinhos, “que sorte você teve, velho pinheiro!”
“Não sou nada velho”, insistia. “Saí da floresta neste inverno e estou realmente no auge da vida, embora no momento meu crescimento esteja suspenso.”
“Como você conta as coisas tão bem!”, disseram os ratinhos. Na noite seguinte, eles vieram com outros quatro ratinhos para ouvir o que a árvore tinha a dizer. Quanto mais ela falava, mais claramente se lembrava das coisas e pensava: “Aqueles eram tempos felizes. Mas eles ainda podem voltar de novo. Humpty Dumpty caiu da escada, e mesmo assim se casou com a princesa. Talvez a mesma coisa aconteça comigo.” Ela pensou em uma encantadora bétula que crescia na floresta. Para ele, ela era uma princesa de verdade, adorável.
“Quem é Humpty-Dumpty?”, perguntaram os ratinhos. Então, o pinheiro contou-lhes toda a história, pois se lembrava dela palavra por palavra. Os ratinhos estavam prontos para pular para o topo da árvore de tanta alegria. Na noite seguinte, muitos outros ratinhos vieram visitar o pinheiro, e no domingo dois ratos também o visitaram, mas disseram que a história não era muito engraçada. Isso deixou os ratinhos tão tristes que eles também começaram a achá-la sem graça.
“Essa é a única história que você conhece?”, perguntaram os ratos.
“Só essa”, respondeu. “Eu a ouvi na noite mais feliz da minha vida, mas eu não sabia que era feliz.”
“É uma história muito boba. Você não conhece nenhuma que fale sobre bacon e velas? Você não pode nos contar uma boa história sobre uma despensa?”
“Não”, disse a árvore. “Então, adeus, e não voltaremos mais”, disseram os ratos, e foram embora.
Finalmente,
os ratinhos também sumiram. A árvore suspirou: “Ah, como era
agradável quando aqueles ratinhos alegres ficavam sentados por perto, ouvindo
tudo o que eu tinha a dizer. Agora isso também passou. Mas farei questão de me
divertir bastante, assim que me deixarem sair daqui.”
Quando seria isso? Bem, aconteceu numa manhã em que subiram para limpar o sótão. As caixas foram movidas, a árvore foi arrancada e atirada com força no chão. Mas um criado a arrastou imediatamente para a escada, onde já havia luz do dia novamente.
“Agora minha vida vai recomeçar do zero”, pensou a árvore. Ela sentiu o ar fresco e o primeiro raio de sol a atingirem como se viesse do pátio. Tudo aconteceu tão rápido e havia tanta coisa acontecendo ao seu redor que a árvore se esqueceu até de olhar para si mesma. O pátio dava para um jardim, onde as flores desabrochavam. Grandes cachos de rosas perfumadas pendiam sobre a cerca de estacas. As tílias estavam floridas e, entre elas, as andorinhas voavam rasantes, cantando: “Tilira-lira-lee, meu amor voltou para mim”. Mas não era do pinheiro que elas falavam.
“Agora vou viver de novo!”, exclamou, e tentou estender seus galhos. Infelizmente, estavam murchos, marrons e quebradiços. Foi jogada num canto, entre ervas daninhas e urtigas. Mas a estrela dourada que ainda estava amarrada no topo brilhava bravamente à luz do sol.
Várias das crianças alegres, que tinham dançado em volta da árvore e se divertido tanto com ela no Natal, estavam brincando no pátio. Uma das mais novas agarrou a árvore e arrancou a estrela de enfeite.
“Olha o que ainda está pendurado naquela árvore de Natal velha e feia”, disse a criança, e pisoteou os galhos até que eles estalaram sob seus pés.
A árvore viu as belas flores desabrochando no jardim. Viu a si mesma e desejou que a tivessem deixado no canto mais escuro do sótão. Pensou em seus dias de juventude na floresta, na alegre véspera de Natal e nos ratinhos que ficaram tão contentes quando ela lhes contou a história de Humpty-Dumpty.
“Meus dias acabaram”, disse a pobre árvore. “Por que não os aproveitei enquanto pude? Agora todos se foram.”
Um criado veio e cortou a árvore em pedacinhos. Estes foram amontoados bem alto. A lenha crepitava lindamente sob a grande chaleira de cobre, e o pinheiro gemia tão profundamente que cada gemido soava como um grito abafado. Foi por isso que as crianças que brincavam por perto correram para formar um círculo ao redor das chamas, olhando fixamente para o fogo e gritando: “Pif! Paf!” Mas a cada gemido que escapava, a árvore pensava em um dia ensolarado de verão na floresta, ou em uma noite estrelada de inverno. Pensava na véspera de Natal e em Humpty Dumpty, que era a única história que já ouvira e sabia contar. E assim a árvore foi completamente consumida pelas chamas.
As crianças continuavam brincando no pátio. A criança mais nova usava no peito a estrela dourada que coroara a árvore em sua noite mais feliz. Mas isso acabou, e a árvore não existe mais, e não há mais nada para contar. Nada mais, nada mais. Todas as histórias chegam ao fim.
Quando seria isso? Bem, aconteceu numa manhã em que subiram para limpar o sótão. As caixas foram movidas, a árvore foi arrancada e atirada com força no chão. Mas um criado a arrastou imediatamente para a escada, onde já havia luz do dia novamente.
“Agora minha vida vai recomeçar do zero”, pensou a árvore. Ela sentiu o ar fresco e o primeiro raio de sol a atingirem como se viesse do pátio. Tudo aconteceu tão rápido e havia tanta coisa acontecendo ao seu redor que a árvore se esqueceu até de olhar para si mesma. O pátio dava para um jardim, onde as flores desabrochavam. Grandes cachos de rosas perfumadas pendiam sobre a cerca de estacas. As tílias estavam floridas e, entre elas, as andorinhas voavam rasantes, cantando: “Tilira-lira-lee, meu amor voltou para mim”. Mas não era do pinheiro que elas falavam.
“Agora vou viver de novo!”, exclamou, e tentou estender seus galhos. Infelizmente, estavam murchos, marrons e quebradiços. Foi jogada num canto, entre ervas daninhas e urtigas. Mas a estrela dourada que ainda estava amarrada no topo brilhava bravamente à luz do sol.
Várias das crianças alegres, que tinham dançado em volta da árvore e se divertido tanto com ela no Natal, estavam brincando no pátio. Uma das mais novas agarrou a árvore e arrancou a estrela de enfeite.
“Olha o que ainda está pendurado naquela árvore de Natal velha e feia”, disse a criança, e pisoteou os galhos até que eles estalaram sob seus pés.
A árvore viu as belas flores desabrochando no jardim. Viu a si mesma e desejou que a tivessem deixado no canto mais escuro do sótão. Pensou em seus dias de juventude na floresta, na alegre véspera de Natal e nos ratinhos que ficaram tão contentes quando ela lhes contou a história de Humpty-Dumpty.
“Meus dias acabaram”, disse a pobre árvore. “Por que não os aproveitei enquanto pude? Agora todos se foram.”
Um criado veio e cortou a árvore em pedacinhos. Estes foram amontoados bem alto. A lenha crepitava lindamente sob a grande chaleira de cobre, e o pinheiro gemia tão profundamente que cada gemido soava como um grito abafado. Foi por isso que as crianças que brincavam por perto correram para formar um círculo ao redor das chamas, olhando fixamente para o fogo e gritando: “Pif! Paf!” Mas a cada gemido que escapava, a árvore pensava em um dia ensolarado de verão na floresta, ou em uma noite estrelada de inverno. Pensava na véspera de Natal e em Humpty Dumpty, que era a única história que já ouvira e sabia contar. E assim a árvore foi completamente consumida pelas chamas.
As crianças continuavam brincando no pátio. A criança mais nova usava no peito a estrela dourada que coroara a árvore em sua noite mais feliz. Mas isso acabou, e a árvore não existe mais, e não há mais nada para contar. Nada mais, nada mais. Todas as histórias chegam ao fim.
DOZE VEZES
o NATAL na LITERATURA
Desde a Idade Média, o Natal tem o seu simbolismo e sua representação entre os temas da literatura ocidental. Vários escritores deixaram obras memoráveis, sobretudo no conto. De Gil Vicente a Lope de Vega, de Dostoievski a Gorki, de Selma Lagerlof a Nathaniel Hawthorne. No Brasil, foi assunto de vários contistas: Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Marques Rebelo. O poeta João Cabral de Melo Neto publicou em 1956 um auto de Natal, “Morte e Vida Severina”. Selecionei os meus doze livros ou contos favoritos que conferem um alcance comovente ao mistério do Natal. Segue a lista por ordem alfabética. Boa leitura.
01
CARTAS do
PAPAI NOEL
(The Father Christmas Letters, 1976)
J.R.R. Tolkien
(1892 – 1973. Bloemfontein / África do Sul)
(The Father Christmas Letters, 1976)
J.R.R. Tolkien
(1892 – 1973. Bloemfontein / África do Sul)
Coletânea de cartas que Tolkien escreveu e ilustrou para seus filhos como se fosse o Papai Noel. As cartas narram as divertidas aventuras no Polo Norte, revelando um universo criativo. É uma chance única de conhecer o lado íntimo e afetuoso do autor de “O Senhor dos Anéis”.
02
CONTO de
NATAL de AUGGIE WREN
(Auggie Wren's Christmas story, 1976)
Paul Auster
(1947 – 2024. Newark, Nova Jersey / EUA)
(Auggie Wren's Christmas story, 1976)
Paul Auster
(1947 – 2024. Newark, Nova Jersey / EUA)
Um escritor é contratado pelo “The New York Times” para produzir um conto de Natal, mas seu maior desafio será descobrir como escrever algo que não seja sentimental demais. Ele decide ouvir um amigo que prometeu lhe contar a história natalina mais interessante de todas.
03
FÉRIAS de
NATAL
(Christmas Holiday, 1939)
William Somerset Maugham
(1874 – 1965. Paris / França)
(Christmas Holiday, 1939)
William Somerset Maugham
(1874 – 1965. Paris / França)
Jovem visita Paris, pela primeira vez, durante o Natal. A viagem é presente do pai após ele ter trocado suas pretensões artísticas pela promessa de trabalhar na empresa da família. A partir desse enredo, o autor discute temas como arte, política e relacionamentos humanos.
04
MISSA do
GALO
(1889)
Machado de Assis
(1839 – 1908. Rio de Janeiro / RJ)
(1889)
Machado de Assis
(1839 – 1908. Rio de Janeiro / RJ)
Publicado na coletânea de contos “Papéis Avulsos”, a trama desenrola-se na noite de Natal, enquanto um jovem aguarda a hora de ir à tradicional Missa do Galo. Visitando um amigo de seu pai, ele se sente atraído pelo charme misterioso da esposa do dono da casa, uma mulher mais velha.
05
MISTÉRIO
de NATAL
(Julemysteriet, 1992)
Jostein Gaarder
(1952. Oslo / Noruega)
(Julemysteriet, 1992)
Jostein Gaarder
(1952. Oslo / Noruega)
Uma história cativante. Trata-se de uma viagem pelo tempo e pela história rumo ao nascimento de Jesus Cristo. Essa viagem é feita por meio de narrativas contadas em um calendário mágico de Natal, onde cada dia se lê um novo capítulo, tendo no total 24 dias de dezembro.
06
O NATAL
de POIROT
(Hercule Poirot's Christmas, 1938)
Agatha Christie
(1890 – 1976. Torquay / Reino Unido)
(Hercule Poirot's Christmas, 1938)
Agatha Christie
(1890 – 1976. Torquay / Reino Unido)
Em mais um dos casos do astuto detetive Hercule Poirot, o assassinato de um multimilionário na véspera de Natal levanta suspeitas sobre todos os seus inúmeros parentes, como um conhecido ovelha negra da família, e uma misteriosa neta que ninguém sequer conhecia.
07
O
PRESENTE dos MAGOS
(The Gift of the Magi, 1905)
O. Henry
(1862 – 1910. Greensboro, Carolina do Norte / EUA)
(The Gift of the Magi, 1905)
O. Henry
(1862 – 1910. Greensboro, Carolina do Norte / EUA)
História de uma união conjugal feliz, narrada com humor. Jovem casal que enfrenta dificuldades financeiras, com o Natal se aproximando, estão dispostos a fazer sacrifícios surpreendentes para dar um presente especial um ao outro. Uma jornada de amor, sacrifício e generosidade.
08
O
QUEBRA-NOZES e o REI dos CAMUNDONGOS
(The Nutcracker and the Mouse King, 1816)
E.T.A. Hoffmann
(1776 – 1822. Königsberg / Alemanha)
(The Nutcracker and the Mouse King, 1816)
E.T.A. Hoffmann
(1776 – 1822. Königsberg / Alemanha)
Na noite de Natal, jovem viaja com seu boneco quebra-nozes para um reino mágico de doces e fadas. Pura essência da fantasia e do sonho infantil, esta aventura estimula a imaginação, transportando o leitor para um mundo encantado. É a história que inspirou o famoso balé.
09
O SUAVE
MILAGRE
(1898)
Eça de Queiroz
(1845 – 1900. Póvoa de Varzim / Portugal)
(1898)
Eça de Queiroz
(1845 – 1900. Póvoa de Varzim / Portugal)
A ação decorre no tempo de Jesus. O célebre conto de Natal, publicado na “Revista Moderna”, narra um encontro com o Messias na Galileia, destacando a humildade, a pureza e a fé, mostrando uma faceta mais religiosa e madura do autor, focado na esperança dos mais pobres.
10
O
SUPLÍCIO do PAPAI NOEL
(Le Père Noel Supplicié, 1952)
Claude Lévi-Strauss
(1908 – 2009. Bruxelas / Bélgica)
(Le Père Noel Supplicié, 1952)
Claude Lévi-Strauss
(1908 – 2009. Bruxelas / Bélgica)
O ensaio analisa, a partir de um acontecimento insólito, a queima de um boneco de Papai Noel em Dijon, França, em 1951, o mito desse personagem natalino ao longo dos tempos, a comercialização de datas tradicionais e a influência norte-americana sobre essas mudanças.
11
Um CONTO
de NATAL
(Christmas Carol, 1843)
(Christmas Carol, 1843)
Um dos livros que mais renderam adaptações natalinas no cinema, rádio e teatro. O enredo acompanha um homem avarento e solitário que é visitado por três fantasmas de seu próprio passado, presente e futuro, experiência que pode despertar-lhe alguma compaixão.
12
Uma
MEMÓRIA de NATAL
(A Christmas Memory, 1956)
Truman Capote
(1924 – 1984. Nova Orleans, Luisiana / EUA)
(A Christmas Memory, 1956)
Truman Capote
(1924 – 1984. Nova Orleans, Luisiana / EUA)
Famoso conto autobiográfico que narra a tocante amizade entre o narrador de sete anos e sua prima idosa e excêntrica durante a Grande Depressão, focando nos seus rituais de Natal, como assar bolos de frutas e trocar presentes simples, destacando uma conexão pura e profunda.
CINCO
CANÇÕES NATALINAS
01
IT'S the MOST WONDERFUL TIME of the YEAR
Andy Williams
02
MISTLETOE and HOLLY
Frank Sinatra
03
ROCKIN' AROUND the CHRISTMAS TREE
Brenda Lee 04
SLEIGH RIDE
The Ronettes
05
WHITE CHRISTMAS
Bing Crosby
01
IT'S the MOST WONDERFUL TIME of the YEAR
Andy Williams
02
MISTLETOE and HOLLY
Frank Sinatra
03
ROCKIN' AROUND the CHRISTMAS TREE
Brenda Lee 04
SLEIGH RIDE
The Ronettes
05
WHITE CHRISTMAS
Bing Crosby










